segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Crime organizado domina o Rio; falta prevenção

Este artigo é da Delegada da Polícia Civil de Salvador,

Patricia Nuno
Depois de uma noite de insônia provocada pelos conflitos existenciais da minha vida privada, amanheço com a televisão ligada, recurso que utilizei na madrugada para tentar distrair os pensamentos que se digladiavam em fúria e aflição.
As cenas de horror dos ataques do Rio de Janeiro me fizeram submergir das profundezas escuras daquele oceano de águas cálidas, a minha doce e bem feminina crise particular.
Que inferno!! Uma mãe correndo com a sua filhinha agarrada nos braços em busca de abrigo, olhos esbugalhados espreitando por detrás das gretas de janelas das suas casas, comércio fechado, muito fogo, correria, fumaça, pavor! Grupos armados sorrindo e festejando ao som das chamas flamejantes e desafiadoras, tiros para o alto! Do outro lado, policiais ostentando orgulhosamente os seus fuzis, ávidos pelo cumprimento, estrito ou não, do dever legal, helicópteros, luzes, sirenes, o famoso “caveirão”!! Concluindo a reportagem, uma voz trêmula, quase balbuciante, tentando explicar o fato ocorrido, boca seca, sem saliva, sem argumentos, porque faltou humildade para reconhecer que faltou prevenção. Agora ele volta a falar de UPPs, Unidades de Polícia Pacificadoras.
Excelente!! Muda-se a gestão, trocam-se os termos, e as ações continuam as mesmas. Ações de repressão, blitz, operações, incursões em áreas de alto índice de criminalidade, becos e vielas, favelas. É o combate à violência com violência, porque não dá pra ser diferente quando o bicho pega.
Bem, pelo menos ao longo desses quinze anos de experiência como Delegada de Polícia, sempre atuando na base do sistema, nunca tive noticia de que alguma mente brilhante da cúpula tivesse despertado para o fato de que as soluções para controle e combate à criminalidade não estão adstritas à Secretaria de Segurança Pública. Como agente de segurança acredito que o caminho está justamente através de pastas diversas como Educação, Esporte, Turismo, Cultura e tantas outras que, em ação integrada com a própria Segurança Pública desenvolvam projetos de ação preventiva direcionadas ao combate à violência. Bola pra frente, vamos evitar ou nos preparar para os ataques futuros!!
Enfim, fui resgatada pela consciência e arrebatada por um sentimento de vergonha misturado com alegria. Vergonha por ter me deixado abater por circunstâncias negativas, porém transitórias da minha vida. Com a aplicação dos ensinamentos de fé que tento transmitir aos meus filhos a cada segunda feira, quando nos reunimos para fazer o Evangelho no lar, a tristeza não teria me roubado uma noite de sono sequer. É questão de acreditar que o Pai nunca nos abandona, e que tudo pelo que passamos é necessário para o nosso aperfeiçoamento, para a nossa evolução espiritual.
Alegria, por perceber a sensibilidade latente no meu coração, que há quinze anos vem batendo no ritmo descompassado da rotina de sobressaltos, sob a pressão de um ambiente de trabalho onde tenho que lidar com mortes violentas, maldade, “gente ruim”, sujeira, mal cheiro, mentira e toda espécie de situação que possa embrutecer a minha alma. Não, eu não fui contaminada pelo ambiente policialesco!
O pior de tudo é perceber que as pessoas não estão nem ai!! Ninguém se importa com as dificuldades enfrentadas pelos menos favorecidos, ninguém liga para Samuca, aquele doido que anda pela Rua Sabino Silva aqui em Salvador, conversando sozinho e olhando sempre para o alto, para os arranha-céus; porque ninguém nem percebe a quantidade de pessoas famintas que dormem sob pedaços de papelão a ermo; porque ninguém quer saber o histórico familiar daquele menino que está usando drogas ou servindo de olheiro para os traficantes comandantes das favelas; ninguém liga nem para os problemas do melhor amigo, porque não tem tempo nem interesse de parar para escutar o seu melhor amigo; nem os filhos escapam hoje em dia, andando em más companhias debaixo do nariz dos pais, que não estão nem ai….
Presta atenção, minha gente!! Tenha sensibilidade e pense no que se pode fazer para melhorar o seu lar, o seu ambiente de trabalho, o nosso mundo! Um sorriso, um gesto, uma palavra, uma gentileza, uma doação??
Fora da caridade, minha gente, não há mesmo salvação!
Muita paz.
Esta editoria é de responsabilidade do jornalista
José NatalCorrespondente de Brasília
http://fotocache02.stormap.sapo.pt/fotostore01/fotos//48/0d/23/4875666_nQkMo.gif

Nenhum comentário:

Postar um comentário