terça-feira, 28 de setembro de 2010

Raiça Bonfim

N’algum momento que não lembro,
minha pele confundiu
o carinho com tua mão.
Achou ser tudo uma coisa só.
Só a mão tua saberia meu caminho
de carinhar.
N’algum momento que não lembro,
meu peito confundiu
a paixão com sua imagem.
Meu coração, enquanto bate,
não consegue te esquecer...
E eu, perdida, permaneço
a vagar sonâmbula,
escrevendo versos bobos
e piegas pra você.
Sei que já nem me lês mais.
Não me queixo.
Ainda assim te persigo por páginas
e letras até o dia que,
quem sabe, eu descubra
que você é um alguém
que eu ainda não
conheço.

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Reflexåo...

As conexões que faço em meu trabalho são conexões que não posso encarar.
São na verdade conexões inconscientes.
O artista tem o privilégio de estar em contato com seu inconsciente, e isso é realmente um dom.
É a definição de sanidade. É a definição de auto-realização.

Louise Bourgeois
Destruição do pai, reconstrução do pai. Editora Cosac & Naïf, 2004.
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Um pouco do muito mim...

Os desertos se encontram de várias formas
Seja no espírito no solo ou na mente através de idéias tortas
(trecho de ‘Pedra e Bala’ do Cordel do Fogo Encantado)
* * *
Resolvi postar um pedacinho dessa música que diz tantas coisas… tantas que ainda nem descobri. Ela faz parte de alguma coisa em mim; do algo que concebo por realidade. Uma ligação que ainda não sei explicar muito bem…
Qualquer dia vou postar inteira ;- )
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Eu sei mas nåo devia...

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.
(Marina Colassanti)
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